23 fevereiro 2013

Eu nunca fiz nada?

Cristal, você se sente mal porque não consegue fazer algumas coisas básicas como ir no sacolão comprar coisas para melhorar sua saúde. Atravessar a rua para comprar cigarros. Vamos relembrar o que você já fez por si para ver se a sua cabeça começa a perceber quem é você novamente.

Eu, dona Cristal, conhecida por vocês como Cristal a louca, saiu de casa com a idade ridícula de 17 anos para enfrentar sabe-se Deus o que. Não morri. Morei em uma casa que alagava e não tinha vidro nas portas, achei que aquela vidinha era pouco para minha mente brilhante, fiz 18 anos, com quase 19 aluguei um apartamento estalando de novo, arrumei um segundo emprego para pagá-lo e ainda pegava umas monografias para formatar, umas aulas aos sábados para ensinar senhorinhas a mexer no outlook, e uns trabalhos para digitar, eu trabalhava em duas lan houses e faxinava as mesmas dias de domingo para ganhar 50 reais, pra que faxineira gente? Eu venho cá e lavo, nem era muito trabalho. Algumas coisas não deram muito certo na época, saí do meu apartamento pegando dinheiro com agiota para pagar as multas porque tinha acabado de refazer o contrato, saí e aluguei um quarto na casa da minha avó, idéia dela que me salvou na época. Fui ser recepcionista, secretária, professora e faz tudo em um cursinho de informática, o curso fechou. Larguei meu segundo emprego e fui curtir uma pequena depressão quando comecei a me perguntar "o que estou fazendo aqui?" não gostava de trabalhar com computadores, mas amava meus patrões na época, amigos.

Fui ao Ridijaneiro para uma visita a minha querida amiga irmã Bia, contei a minha história triste de desempregada (recebi de recisão cadeiras e mesas desse curso que DEI de presente para meus antigos patrões por não tinha serventia pra mim, com isso ganhei o passe vitalício para nunca precisar pagar nada ali, poderia usar a net, estudar, imprimir, deitar no sofá e fazer qualquer merda que estava pago para sempre). Dia 23 de março a mãe dessa amiga, hoje minha mãe e melhor amiga me ligou perguntando se eu não gostaria de ir morar com ela porque tinha um emprego pra mim, na época pagava a fortuna de 600 reais mais algumas coisas, contrato de três meses. Eu não tinha dinheiro, tinha dado meus móveis para minha avó, e morava em um quarto. Bateu medo, mas na mesma hora falei: SIM. Arrumei uma mochila e todo meu dinheiro era 30 reais, expliquei a situação para minha avó e para minha mãe que falaram que eu era maluca, que era para aquietar o facho e arrumar emprego por ali mesmo, mas não ouvi, como nunca ouço ninguém e rumei para o Rio.

O negócio era vender uns aparelhinhos para colocar no carro e você passar direto no pedágio, Onda Livre, o emprego foi arrumado por um amigo meio parente da Alba, que se tornou a primeira pessoa que admirei vendendo (mas foi depois, não naquele momento), me ensinou o que fazer em 20 minutos. Eu nunca tinha  vendido nada na vida. O negócio era ficar parada dentro de um quiosque com uns panfletos e quando alguém aparecesse eu explicaria como funcionava, se a pessoa quisesse fechava se não ok, vida que segue. Só que tive um estalo, MINHA VIDA DEPENDIA DE VENDER AQUELES TROÇOS, eu queria permanecer no Rio, precisava da grana se vendesse uns dois por dia tava ótimo, fora os 600 reais eu ganhava dois reais para cada trocinho que vendia, mas esse ótimo não era bom pra mim. Na primeira semana Zé Pequeno das vendas entrou no meu corpo a primeira vez, percebi que ficar parada ali sorrindo não ia dar em bosta nenhuma, troquei o sapatinho bonito por um tênis, enchi a mão de folheto e enquanto as pessoas enchiam seus carrinhos no Wall Mart e Sam´s club eu ficava do lado explicando que aquele aparelho era revolucionário que além de poupar tempo ainda poupava gasolina e economizava os freios, que o pedágio era debitado na conta uma vez por mês e nem boleto precisava pagar. Fiz isso milhões de vezes e fui recordista de vendas no primeiro mês. Vendi sei lá, uns 300 aparelhos desse o negócio era fechar uns 40 por mês. Fui elogiada ao extremo pela minha inciativa, mas o contrato era de três meses e o tempo urgia.

Achei um anúncio para ser vendedora de material para segurança do trabalho na internet, liguei e com um mês e meio vendendo fui nessa empresa me achando a tal, me contratem porque sei vender, porque eu sou foda meus amigos, lembro que na entrevista tinha que vender um óculos de segurança para o dono da empresa, das muitas que foram a entrevista, Cristalzinha foi contratada em uma quinta-feira para começar na segunda, bye bye Onda Livre, quando fui falar isso com o primeiro empregador, ele disse que cobria a oferta e me efetivaria, que eu poderia trabalhar lá na ponte Rio-Niterói, mas estava decidido que eu iria para o outro lugar, anos depois nos encontros de família esse cara ainda me fazia proposta dizendo que até "hoje" ninguém tinha batido aquele recorde em nenhum Sam´s. E até hoje eu diria se ele ainda estivesse nesse cargo de gerência eu teria emprego para sempre com ele. Foi a primeira vez que senti algum poder na vida.

Fui para essa tal empresa de segurança do trabalho, não sabia bosta nenhuma, mas aprendi tanto que se me contratassem HOJE ainda saberia vender todos aqueles materiais. Não queria ser uma vendedora queria ser a melhor, conseguia ficar em primeiro, segundo ou terceiro, a coisa mudava de mês pra mês entre eu Vânia e Priscila, de longe na época as mais esforçadas, e as mais fudidas que a gente não ganhava nem bala, quanto mais venda, cliente e áreas gordas para se trabalhar, mas sempre ali mais ou menos por cima, detalhe que nossas carteiras de clientes eram as mais bostas, Vânia quando ler isso aqui lembrará bem, beijos amiga. Estudava os panfletos, lia as especificações em casa, aguentava aquele engenheiro explicando as coisas e nosso patrão que enfim, não vale o esforço de explicar, trabalhava até mais tarde, chegava mais cedo e fumava nos intervalos. Vendi 9 unidades de um troço chamado de "descida controlada" que ninguém nunca tinha vendido até então. Virei mito pra mim.
Três anos de empresa e o salário uma merda. Um dia acordei puta com a vida, toda endividada e por um problema nos tickets (ei Vânia SUA MENTIROSA!!!) a bosta transbordou e fiz o óbvio, chamei meu gerente e falei "amigo assim não dá" achando que era mais um ataque de pelancas ele não deu muita confiança, porque não sou o tipo mais fácil para se trabalhar (o preço da genialidade) e fui direto ao dono "amigo, assim não dá, todo ano vocês trocam a porra da carteira e agora eu que trabalhava com mineração vou ter que atender alimentos? Não ferra" não lembro da resposta, mas lembro que saí da sala dele com sangue nos  olhos, peguei minha bolsa e fui embora.
No outro dia eu já estava decidida a não trabalhar mais lá. Ponto. Meu gerente me chamou para conversar e na minha cabeça era "não tem mais acordo meu chapa, eu não fico mais nesse lugar que regula meu ticket prêmio" fez mil tentativas, o dono tentou, mas eu caguei, as 11 da manhã sentei na minha mesa e comecei a informar aos clientes que ligavam que não estava mais ali estava esperando para ser mandada embora e que não daria preço bosta nenhuma. Continuaram achando que estava de drama. As três da tarde viram que não estavam de gracinha e aceitaram meu acordo, escutei coisas como "pode escolher qual área você quer e yadda". Bye Bye empresa.

Não tinha NADA em vista, nessa época resolvi sei lá, dar uma bundeada de três meses no seguro desemprego e depois procurar algo, eis que a Caixa entra de greve e prende meus dinheiros, minha irmã recebeu uma proposta para virar demonstradora de relógios Champion, não quis, me passou o telefone e lá fui eu para a Renner, agora imagina eu, uma vendedora tarimbada, foda no meu "meio" vendendo relógio, não me abati nem um pouco, vendi relógio pra caralho, sem dinheiro até para o almoço, comendo maçã e pêra que levava na mochila, saindo do shoping 10 da noite, sem dinheiro para comprar cigarro, mas vendi sei lá, mais de 500 relógios em 40 dias, sorriso no rosto meu relógio é foda minha gente, pó comprar, a empresa quis me efetivar, coisa de 1.500 na época, para quem não tinha dinheiro nem para cigarro era uma fortuna. Não obrigada, vou caçar meu rumo.

Uma leitora, Carol me arrumou um emprego ótimo no centro da cidade, fui pra lá, vender material para segurança do trabalhador, uma sala só pra mim, eu era importante, tudo o que pedia eles me davam, mas fiquei só 15 dias porque foi aí que a empresa de material elétrico entrou na minha vida e tudo mudou. Depois de três entrevistas no ano anterior, o dono então na época falou "você não sabe vender material elétrico não tem experiência no ramo, então não temos interesse por ora." mas eu fiquei com o cartão dele e toda semana mandava e-mail "já tem algo para mim?" e nada. Fui para o RH, e nada. Aí minha supervisora visionária pensou "ela não entende bosta de material elétrico, mas sabe vender, vou contratar essa menina." E falou na minha cara, te dou três meses para vender, e te contratei pela sua "força de venda e não pelas suas capacidades técnicas."

E eu entrei. PORRA MERMÃO, EU ENTREI CARALHO. Vocês não tem idéia do que era na época esse processo seletivo, ninguém saia da porra da empresa, só abria UMA vaga a cada ano bissexto. Não sabia o que era um poste. Franci me ensinou tudo, entrou um mês antes de mim, com uma paciência de Jó, ela entendia da porra toda, eu não sabia o que era um unidut, quanto mais um disjuntor. Em seis meses no nosso setor eu já vendia 200 mil quase rindo. A empresa me sugava, mas eu amava. Batia as metas, Franci e eu viramos unha e carne. Minha supervisora era o cão na época, hoje a admiro muito, pois sei que se ela desse mole TODAS NÓS estaríamos na rua, durona não a define, era pior. Eu era a número 1, eu minha supervisora e Franci saímos para beber quase toda sexta-feira, viramos amigas e nos esforçávamos para caralhos para manter o pique, a empresa era um Deus nos acuda e vendíamos assim mesmo e muito. Nunca achei que esse tipo de stress existia na vida corporativa, mas existia, aprendi, chorei, briguei muito. Meu salário quintuplicou e pude comprar muitas coisas, virei rica, viaja, ajudava a família e comprava presente para todos. Vivia no shoping comprando porcaria, viajava Minas MP pelo menos uma vez por mês.

Namorava na ponte aérea, na rodoviária, e meu namorado estava com muitos problemas na época.
Resolvi vir morar em Minas, e largar a empresa, que era a minha filha na época, minha marca da bunda na cadeira, meu ótimo salário, minha vaga garantida eternamente enquanto produzisse (obviamente). Meu status, meu uniforme, todo meu conhecimento dos meus clientes, meu número. Resolvi jogar tudo isso pela janela sem pestanejar para ganhar um terço, um quarto em uma empresa que nem chegava perto em tamanho e organização.

Dois anos depois esse mesmo dono de empresa que disse que eu não servia perguntou o que eu gostaria para ficar. E eu disse: NADA. Estou decidida a mudar para Minas. Não posso falar o que me ofereceram pois seria anti ético, então foda-se não quero nada minha gente, pode aumentar salário, mudar de setor, eu adoro aqui, só quero ir embora por motivos pessoais. E eu realmente amava lá, mas vida que segue, o dono então me surpreende e sabendo da minha capacidade, ou pelo menos meu esforço me arruma meu atual emprego. É minha gente onde eu trabalho hoje me foi arrumado em duas ligações lá no Rio de janeiro, eu vinha para trabalhar em outra empresa. E eu fui contratada. E eu junto com o Marcos arrumamos tudo o que eu possuia em um Stilo e fui embora em uma noite chuvosa com o carro arrastando pelo chão. Sem uma lágrima pelo meu emprego, só pelas pessoas que deixei.

Aluguei esse apartamento, não tinha UM móvel. Tinha um colchão inflável, roupas, sapatos, perfumes e meu notebook dois pallets e um tanto de caixote. Só. Comprei geladeira, fogão, ganhei muitas outras coisas, Marcos fez muito e menos de um ano depois, podem entrar e ver com os próprios olhos, está todo montado.

Eu fui para um setor que dizer "é um desafio" é muito pouco para definir, eu paguei um preço caro pra cacete, me endividei, fudi minha cabeça sem terapia, fiquei SEIS MESES sem ver minha mãe, mas estamos aí muito vivos.

Não me arrependo um segundo pelas minhas escolhas, nem quando me sinto solitária ou desesperada sem dinheiro, nem quando tomo banho e choro querendo colo de mãe de vó, nem quando não posso ver minha sobrinha crescendo, nem quando não posso ter meus amigos por perto, ou quando não tenho ninguém para conversar, como podem ver não sou exatamente medrosa e mesmo quando sou, vou andando pra frente.

Dizer que sou uma vencedora é pouco, pois não estou em um jogo de vencer ou perder, pois isso daí não é nada perto do que já superei dentro da minha cabeça, de tudo o que já ouvi, vivi , vi e passou. Só faz parte do passado, deixa cicatrizes brabas, mas a minha vida continua.

Deixei de fazer muita coisa, mas já fiz muita coisa também. Não tenho o direito de me sentir mal depois de tanta coisa, ou desistir e deixar que o barco da vida me leve sei lá pra onde, é minha obrigação pegar minha vida e refazer porque o pior já passou a muitos anos, e auto comiseração apesar de chamar atenção não vai me tirar de onde estou. Eu não me superei olhando a banda passar, fui lá e fiz algo, qualquer coisa, mesmo sem saber se daria certo.

Por isso a decisão de fazer algo pequeno hoje e continuar fazendo algo, comecei a prestar atenção que o que me incomoda é essa minha vontade de ficar prostrada e não dos problemas em si. Então vamos continuar andando, pra onde eu não sei exatamente mas anos atrás eu também não sabia e nem por isso deixei de andar.













4 comentários:

Alles disse...

Que lindo:). Adorei sua história, vc é forte, e vai conseguir tudo o que quer. Abraço

Luciana Matos disse...

Garota! Corre vai vender isso pro cinema!
Forest Gump perde!

Brincadeiras à parte, acho que tu é um "serhumano" muito foda.

Talento pra vendas tenho 0, uma vez tentei e adivinha: merda total. Qq dia conto lá no blog.

Beijo lindona!

Vânia disse...

è Cristalzinha.. essa é sua história que esbarra também na minha... E continuamos a nadar.. sempre... Adorei!!!E chorei de rir lembrando de nossas ´mentiras´......bjus

Por mim disse...

"Superação"... essa palavra é pouco pra definir sua vida, pra definir vc.
Beijos mil.