09 abril 2013

Velhos padrões

Existem coisas que preciso limpar dos meus registros emocionais, infantis, dessa e de outras vidas quiçá, uma é que viverei pra sempre pulando de casa em casa, outra é a imaginação que vou passar fome e a outra é que morrerei sozinha e ninguém vai perceber. Tipo eu vou abrir o armário e não vai ter nada pra comer, ou que um dia vou chegar em casa e meus móveis estarão na calçada porque  serei despejada por falta de pagamento do aluguel ou que vou morrer e ninguém vai perceber, só dias depois. Não estou dramatizando de forma alguma, já disse que isso passou, são medos reais, que me tiram o sono, a fome e dão dor de cabeça.

E é angustiante para dizer o mínimo, também tem o medo que não vou ter para onde ir se algo me acontecer, sei lá quebrar uma perna e tals, eu SEI porque penso nisso, porque eu nunca passei fome, mas passei muito tempo no limite de.... essa coisa sempre foi velada na minha casa, porque minha mãe muito guerreira e alto astral não deixava que eu percebesse a realidade, ela não floreava dizendo que vivíamos no mundo de fadas, mas sempre foi muito criativa para ganhar dinheiro e disfarçar que não tinha muita coisa para comer porque... não ligávamos, tipo "não tem carne porque a gente nem liga né?" e o freezer lotado de carne - para fazer salgado porque minha mãe foi salgadeira durante muitos anos, e eu acreditava nisso e nunca morri e nem culpo minha mãe, e é claro que agradeço, porque comida mesmo nunca faltou, mesmo nas épocas mais bravas, tem dias que me lembro que minha mãe comprava uma coca cola, normalmente dia de domingo e aquilo era uma festa, o fato dela ser alcoolatra e outras partes dessa história estar omitida é porque realmente não vem ao caso.

Ela foi ótima, mas estávamos sempre a beira, na beiririnha, aceitávamos ajuda, da igreja, do centro espírita, cesta básica, tinha uma tia que sempre me dava roupas, minha avó que sempre aparecia no socorro, pegávamos encomenda de salgado que nunca daríamos conta passando cheque pra frente para comprar material, e eu sempre tive muito orgulho da minha mãe, todo mundo sabe disso, a vida passou e tudo foi melhorando. Eu já fui despejada ou na época diríamos apenas que não tivemos sorte com o senhorio, nós já ficamos pagando aluguel de parcela, tipo era 200 reais, só tinha 50 a gente ia lá pagava 50 e depois juntava mais 20 e vencia outro a gente arrumava 100 e lá íamos nozes.

Até eu sair de casa e viver novos desafios enfim, aluguel nunca devi, mas a luz era sempre cortada. Rolava uma meio escolha entre a luz e a comida e cigarro, tinha mês que dava pros dois, tinha mês que tinha que fazer um gato no senhorio para encher minha caixa d´agua que era na bomba, e eu fazia isso de madrugada, era só girar a chavinha para a luz dele porque a bomba era pra duas casas, ele tinha dinheiro, é amigo da minha mãe até hoje, pessoa que adoro e acredito que ele sabia e acobertava, senão eu ficaria também sem água. Colocava o relógio para despertar de madrugada, enchia a caixa e desligava, voltava a dormir.
Já peguei dinheiro com agiota para pagar minha própria recisão de contrato de um apartamento que tinha acabado de renovar contrato,  fiquei uns quatro meses vivendo da comida da minha avó, o dinheiro de passagem que ela me dava e por pura pena porque ela é muito contra, ainda comprava meu cigarro.
Paguei tudo mil vezes depois ao longo do tempo, nunca escrevi aqui sobre a minha generosidade com as pessoas que amo porque isso nunca foi necessário e não começarei a falar sobre isso hoje.

Mas essa não é minha realidade hoje, e mesmo assim eu ainda sinto esse medo súbito de ser despejada e ficar sem as coisas, e preciso me livrar desse pavor absurdo porque já aconteceu, não quer dizer que vai se perpetuar, ou que se acontecer de novo, morrerei.

Não quero mais carregar esse peso monstruoso de que vou morrer de fome! Eu tenho 90 quilos! Até eu morrer de fome tem muito caminho, e mesmo assim, perco o sono.

E é isso que preciso trabalhar, essa coisa que me consome e não tem nada a ver com sou foda, tenho isso ou aquilo, é um medo puro e simples, que se explica, mas não se esvai com a explicação. Tenho que trabalhar muito minha cabeça para não me deixar abater por mais isso. Já passou. Foi em outra época. Passou.

Isso que tenho que me lembrar todos os dias.









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