15 junho 2013

Amizades insólitas.

Sei que devemos nos cercar de pessoas queridas quando passamos por perrengues na vida e yadda, mas minha sensação de isolamento - que não é uma sensação é algo que fiz quase por querer, afinal não ligo pras minhas irmãs, e só ligo para minhas mães para dizer que estou viva e carregando pedra, mal respondo aos e-mails dos meus amigos e só vivo cercada de afazeres e livros, então não podia resultar em nada além de.

Mas quando chego muito mal em casa, antes de chegar propriamente dito paro na barraca em frente da minha casa e fico conversando amenidades com a loura do sanduíche, ela me adora e fico ali batendo bapo com ela e outros habitués, tempo de fumar dois cigarros, tomar um copo de refrigerante de 0,50 e vir pra minha casa.
Ontem o pai dela, que é um velho surdo e meio doido, mas o meio doido é por minha conta, mas totalmente inofensivo - que me emprestou as chaves para eu fazer cópia do prédio quando voltei do Rio, me perguntou se eu gostava de mexerica carioca - e eu respondi que sim, mas se ele tivesse me perguntado se eu gostava de tiro no joelho a resposta teria sido a mesma! Eis que o velho me volta 5 minutos depois com uma sacola de mexerica e me deu, tinha umas laranjas juntas e não entendi muito bem a explicação porque ele fala meio enrolado, mas parece que ele ganhou um saco lotado e não tinha como comer todas. Achei tão bonitinho e fiquei toda meio emocionada por causa da minha carência extrema, até me lembrar que ele sempre pergunta se eu tenho namorado (*ele tem uns 80 anos e já cansou de me ver com meu namorado) e também pergunta se eu trabalho em banco porque sou muito bonita (já disse pra ele 35 vezes que sou vendedora).

Hoje encontro ele no ponto de ônibus e ele dana a falar da vida, antes de vestir minha carapuça de mal educada dei toda atenção do mundo, não porque sou simpática, mas porque pensei que ele deve sentir falta de alguém pra falar, aí descobri que ele era fiscal de ônibus e o irmão dele tem 91 anos e uma ótima saúde o resto eu não entendi muito bem, agradeci novamente as mexericas e pulei pra dentro do meu ônibus. Depois lembrei dos meus avós e todas as pessoas no mundo que só precisam de um pouco de atenção. Incluindo eu. Eu posso ser esse velho daqui a anos.



3 comentários:

Andréa disse...

rsss...

Muito legal! Também sou meio ermitã (existe isso?) e gostei muito de ler seu texto. Também esqueço, com frequência que outras pessoas, assim como eu, às vezes só querem um pouquinho de atenção, por isso puxam papo. E eu, no meu autismo social, às vezes sou meio antipática, não por maldade, mas pela falta de costume de interagir, mesmo.
Foi bom você me lembrar disso.

Nádia Galdino disse...

Nunca tinha pensado por esse ângulo, normalmente dou atenção naquelas de "louco não se contraria" - isso quando não finjo que não ouvi nada por estar com fones de ouvido. Mas agora fiquei meio mal. Principalmente porque lembrei que ontem tive uma crise nervosa no trabalho, saí quase correndo da minha sala e o garçom me viu, me falou para sentar na copa e me preparou um copo de água com açúcar e uma xícara de chá de camomila. Se não fosse isso, teria ficado um bom tempo chorando no banheiro sozinha. Ainda passei o dia puta da vida, mas disse que estava melhor (pelo menos mais calma) pra ele não ficar preocupado e agradeci muito pela atenção e pelo chá.

Alexandre disse...

Sempre dou atenção as pessoas ignoradas. Sei lá, elas podem ter boas ideias e normalmente tem. Dou a maior força para levarem seus planos para frente e não aturarem merda dos outros. Tem que por um pouco revolta nessas pessoas.

Rá, pena que o velhinho operador de retro / maconheiro foi demitido. Ele sempre me oferecia a erva dele. Nunca aceitei por que deveria ser de baixa qualidade. Enfim, o cara era uma figuraça, tem que ter culhões para fumar um back em pleno serviço.